54 Ativação de fibras musculares no Treinamento resistido

A ativação de todas as fibras musculares é possível mesmo com porcentuais de carga máxima não muito altos.

Ralph N. Carpinelli, 2008. J Exerc Sci Fit • Vol 6 • No 2 • 67–86 • 2008

Comentários: José Maria Santarem

Este trabalho apresenta um extenso levantamento de trabalhos que avaliaram a ativação muscular em diferentes formas de execução de exercícios resistidos e pode ser de grande valia para todos que se tiverem interesse em estudar o tema.

O autor demonstra que não existe base científica sólida para afirmar que apenas com grandes cargas se consegue ativar todas as fibras musculares.

Uma extensa bibliografia é apresentada como base em evidência para o princípio do tamanho no recrutamento das fibras musculares.

Segundo esse princípio, as fibras são recrutadas em ordem crescente de tamanho, avaliado pela secção transversal.

Assim sendo, as fibras menores, vermelhas (fibras I – oxidativas), são as primeiras a serem recrutadas nos exercícios resistidos, seguidas pelas brancas de menor tamanho (IIA – glicolíticas e oxidativas) e depois pelas brancas de maior tamanho (IIB – glicolíticas).

Vários pesquisadores endossam a impressão quase consensual de muitos atletas e treinadores experientes no sentido de que os melhores resultados em força (menos consensualmente em hipertrofia) são obtidos quando cargas elevadas para 3 a 5 repetições são utilizadas e os movimentos são levados à falência muscular ou muito próximo dela.

A opinião dos profissionais envolvidos com o treinamento se baseia na observação não controlada dos resultados, enquanto que os cientistas utilizam como base o princípio do tamanho no recrutamento das fibras musculares.

O autor reconhece que quando se utilizam pesos elevados, baixas repetições e esforço máximo a totalidade de fibras musculares do músculo é recrutada.

No entanto, apresenta uma revisão de muitos trabalhos mostrando que mesmo com cargas menores que permitam mais repetições (8 a 15, por exemplo) as fibras também são todas recrutadas desde que o esforço seja máximo (movimentos até a falência muscular ou próximo dela).

Assim sendo, o autor critica o posicionamento de muitos pesquisadores, atletas e treinadores no sentido de que no treinamento para força e hipertrofia, quanto mais pesado melhor.

O autor também critica por falta de evidência científica a opinião de muitos práticos no sentido de que para hipertrofia muscular várias séries devem ser realizadas (3 a 5 séries por exercício e frequentemente mais de um exercício).

O autor cita alguns trabalhos mostrando que apenas uma série por exercício com pesos maiores ou menores (3 a 15 repetições) produzem resultados semelhantes em força e hipertrofia desde que o esforço seja máximo.

Nossa opinião pessoal é que alguns aspectos não foram considerados nesse posicionamento do autor, a saber:

1) As opiniões de treinadores experientes no sentido de que pesos maiores são mais eficientes para aumentar a força têm por base principal a observação dos resultados do treinamento de atletas de alto nível e não trabalhos científicos.

Estes na maioria das vezes foram realizados por pessoas treinadas, mas não necessariamente atletas de competição.

Se os técnicos estiverem corretos, uma possível explicação é que o treinamento para força com pesos maiores não apenas estimula a hipertrofia muscular, mas também a capacidade do organismo recrutar cada vez melhor uma grande quantidade de fibras para ação simultânea.

No meu conhecimento, o suposto aprimoramento da coordenação nesse sentido e nessas condições ainda não foi suficientemente demonstrado, mas é muito provável que ocorra.

2) O treinamento até a falência muscular é muito mais confortável com pesos maiores e repetições baixas do que na situação oposta, que apresenta maior demanda cardiovascular e maior acidose.

Isso pode justificar a preferencia dos praticantes de musculação por pesos maiores e repetições mais baixas (geralmente de 5 a 8).

3) O tecido conjuntivo dos músculos também é diretamente estimulado pelas cargas para o seu fortalecimento e cargas maiores supostamente têm esse efeito enfatizado.

Tendões, endomísio, perimísio e epimísio fortes são importantes para a segurança em atividades de força.

4) No treinamento para hipertrofia, evidências de observação sugerem que bons resultados também podem ser obtidos não apenas com pesos menores para 6 a 12 repetições e várias séries (3 a 5), mas também com esforços submáximos intensos, quando os movimentos são interrompidos cerca de duas repetições antes da falência muscular.

Se essas impressões estiverem corretas uma possível explicação é que embora em cada série algumas fibras não sejam recrutas (princípio do tamanho) a repetição de séries com pouco descanso entre elas pode levar à ativação de todas as fibras musculares do músculo se a fadiga de algumas fibras levarem ao recrutamento das que ainda não trabalharam.

Seja como for, a opção por uma ou outra técnica de treinamento deve ser orientada mais pelo conforto e prazer de cada praticante do que por suposta superioridade de algum método.

Mesmo que existam métodos superiores a outros em eficiência, se a sua prática não for agradável tenderá a ser descontinuado.

Outro aspecto é que o principal determinante dos resultados em força e hipertrofia é a genética individual.

Pessoas privilegiadas com excepcional capacidade de resposta, como são todos os campeões em todas as modalidades esportivas, provavelmente seriam campeões com qualquer método.

No caso da força e da hipertrofia já é consensual que havendo carga e repetições, com níveis de volume não exagerado, haverá resposta, porém em grau determinado pela genética individual.

A polêmica levantada pelo autor deste trabalho prende-se apenas à tentativa de outros autores em justificar com bases em evidências o princípio de que quanto mais pesado melhor.

O autor conclui que isso não pode ser estabelecido. No entanto, a sua posição final é bastante coerente com a realidade da prática da musculação.

A sua recomendação é que tanto para força quanto para hipertrofia o praticante trabalhe com o nível de carga com o qual se sinta mais confortável e faça pelo menos uma série por exercício com repetições até a falência muscular ou próximo à ela, evitando volumes excessivos.

Nosso comentário: o resto é por conta da loteria genética.

Metodologia, tabelas, gráficos e bibliografia encontram-se no artigo original.

José Maria Santarem
José Maria Santaremhttps://treinamentoresistido.com.br
José Maria Santarem é doutor em medicina pela Universidade de São Paulo, fisiatra e reumatologista pela Associação Médica Brasileira, consultor científico da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte, coordenador de pós-graduação na Escola de Educação Permanente do HC-FMUSP, diretor do Instituto Biodelta, autor do livro Musculação em Todas as Idades (Ed. Manole) e coordenador do site acadêmico www.treinamentoresistido.com.br.

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