Uma revisão de literatura documentando os estímulos dos exercícios com pesos para a saúde em geral e comentando aspectos técnicos do treinamento.
Randy W. Braith and Kerry J. Stewart; Circulation; 2006; Vol. 113; 2642-2650.
Comentários: José Maria Santarem
O treinamento resistido (TR) e o seu conseqüente aumento de massa muscular pode provavelmente reduzir múltiplos fatores de risco para doenças cardiovasculares (DCV), embora essas evidências ainda não estejam bem estabelecidas.
A redução de massa muscular, produzida por envelhecimento ou por falta de atividade física, levam a uma alta prevalência de obesidade, resistência à insulina, diabetes do tipo II, dislipidemia e hipertensão.
O músculo esquelético é a principal esponja metabólica para a glicose e para os triglicerídeos, e é um importante determinante da taxa metabólica de repouso.
O TR tem sido proposto para promover saúde, prevenir doenças e melhorar a aptidão física, posição endossada pela American Heart Association, pelo American College of Sports Medicine, e pela American Diabetes Association. Independente do nível de aptidão física cardiovascular, a força muscular é inversamente associada com mortalidade por todas as causas e com a prevalência da síndrome metabólica.
Fundamentação do Treinamento Resistido
O TR previne a diminuição de massa e da função dos músculos esqueléticos durante o envelhecimento e sedentarismo. Adultos que não realizam o TR regularmente perdem cerca de ½ Kg de massa muscular por ano a partir da quinta década de vida, e aos 80 anos apresentam uma redução de 50% nas fibras do tipo II.
Os efeitos do TR no sistema musculoesquelético podem contribuir para a manutenção das habilidades funcionais, prevenir osteoporose e sarcopenia, e as conseqüentes quedas, fraturas e disfunções.
O TR produz menor resposta do cortisol ao estresse agudo, aumento do gasto energético total em idosos saudáveis ou frágeis, alivia a ansiedade e a depressão. O TR aumenta a densidade óssea, diminui os sintomas da artrose, melhora a hipertensão arterial e o perfil lipídico, e aumenta a tolerância ao exercício em doença arterial coronariana.
Por outro lado, a sarcopenia do envelhecimento e da insuficiência cardíaca crônica é relacionada à maior resistência periférica à insulina, dislipidemia, e aumento da gordura corporal.
O TR estimula a massa muscular e a força de pacientes com insuficiência cardíaca crônica.
Treinamento Resistido e Diabetes
O risco de doença arterial coronariana está associado com diabetes mellitus, intolerância à glicose, e resistência à insulina, e esses fatores estão fortemente relacionados com hipertensão e dislipidemia, marcadores inflamatórios, fatores trombogênicos e disfunção endotelial.
A contração muscular aumenta a captação de glicose no músculo esquelético. O TR utiliza exercícios localizados que no seu conjunto trabalham todo o corpo e pode proporcionar recrutamento de massa muscular maior do que a que ocorre nos exercícios aeróbios tradicionais.
O American College of Sports Medicine e a Associação Americana de Diabetes têm recomendado o TR progressivo como parte de um programa de exercícios gerais para pessoas com diabetes do tipo II.. O TR é reconhecido como um componente básico para o controle glicêmico terapêutico de pessoas jovens e idosos com diabetes do tipo II.
Tolerância à Glicose e Sensibilidade à Insulina
O TR geralmente não altera a tolerância à glicose ou o controle glicêmico, independente da idade, a menos que a tolerância à glicose esteja alterada. Por outro lado, o TR reduz a resposta aguda de insulina e aumenta a sensibilidade à insulina em testes metabólicos realizados em homens e mulheres de meia idade ou idosos.
Controle Glicêmico
O TR diminui os níveis de hemoglobina glicada em homens e mulheres diabéticos, em qualquer idade. Melhorar o controle glicêmico e diminuir os níveis de hemoglobina glicada são importantes para reduzir as complicações micro e macrovasculares do diabetes. O controle glicêmico induzido pelo TR parece ser dependente da intensidade dos exercícios, com os benefícios ocorrendo em pessoas que treinam entre 70 e 90% da carga máxima (1
RM), que é o máximo peso que pode utilizado em uma repetição no exercício.
Treinamento Resistido e Hipertensão
A American Heart Association e o American College of Sports Medicine têm recomendado a adoção de um estilo de vida saudável, com o TR de moderada intensidade sendo um complemento dos programas de exercícios aeróbios na prevenção, tratamento e controle da hipertensão.
Pressão Arterial Sistêmica
Diminuições de aproximadamente 3 mmHg (p?0,05) têm sido encontradas tanto para pressão sistólica quanto para a diastólica, em todas as categorias de hipertensão, como resultado do TR. Essas mudanças representaram uma redução de 2% na pressão sistólica de repouso e 4% na pressão diastólica de repouso.
Uma redução de 3 mmHg na pressão arterial sistólica em populações padrão leva à uma redução de mortalidade cardíaca ente 5 e 9%, redução de acidente vascular encefálico entre 8 e 14%, e redução de mortalidade por todas as causas de 4%. Não se encontrou diferenças para as mudanças na pressão arterial entre estudos que utilizaram TR convencional e TR em circuito.
Está bem documentado que o treinamento de endurance reduz a pressão arterial de repouso em pacientes com hipertensão moderada a severa, e existe falta de dados sobre os efeitos do TR isolado em pessoas com hipertensão. Embora qualquer redução na pressão arterial seja desejável, os estudos disponíveis não respondem a questão sobre o benefício independente do TR em pessoas inicialmente classificadas como hipertensas ou pré- hipertensas.
Rigidez Arterial
Com o envelhecimento, a hipertensão, a resistência à insulina, e o diabetes ocorre aumento da rigidez arterial em função da degeneração da camada media arterial, aumento no conteúdo de colágeno, dilatação arterial e hipertrofia. Estes fatores levam a aumento da pressão arterial sistólica e aumento do risco de eventos cardíacos.
Os exercícios aeróbios estão relacionados com a redução da rigidez arterial e pouco se sabe sobre os efeitos independentes do TR na rigidez arterial. Embora alguns estudos sugiram aumento da rigidez arterial induzido pelo TR, nenhum dos estudos relatou aumento de pressão arterial sistólica ou diastólica secundários ao TR.
Resultados de revisões não endossam a suposição de que o TR aumente a resistência vascular, e não há ocorrência aumentada de hipertensão observada em atletas isométricos e de potência.
Treinamento Resistido e Obesidade
A perda de peso em pacientes obesos pode melhorar ou prevenir muito os fatores de riscos cardíacos relativos à obesidade (ex. resistência à insulina, diabetes mellitus tipo 2, dislipidemia, hipertensão e inflamação) e pode melhorar a função diastólica. A obesidade é um fator de risco importante para DCV, disfunção ventricular esquerda, insuficiência cardíaca congestiva, acidente vascular encefálico e arritimias cardíacas.
Os exercícios aeróbios são tradicionalmente recomendados pata tratar ou prevenir obesidade, mas o TR é uma alternativa viável e eficaz aos exercícios de resistência para controle de peso. A perda de massa muscular esquelética com a idade diminui o gasto de energia de repouso (GER).
Teoricamente um ganho de 1 kg na massa muscular deve resultar em um aumento de GER de aproximadamente 21 kcal/kg de músculo, mas estudos experimentais de TR relatam aumento de GER da ordem de 18 a 218 kcal/kg de músculo.
O TR é importante para aumentar ou manter o gasto energético diário e para evitar o ganho de gordura associado à idade. Mesmo sem mudança no GER, a manutenção de massa muscular pode prevenir o ganho de gordura associado à idade por meio da promoção de um estilo de vida ativo.
Tem sido demonstrado que o TR pode reduzir a massa de gordura corporal total independente de restrição calórica dietética.
A obesidade central excessiva e especialmente o tecido adiposo visceral tem sido relacionado com o desenvolvimento de dislipidemia, hipertensão, resistência à insulina e intolerância à glicose, diabetes, e doenças cardíacas.
Embora possa haver uma predisposição genética para tecido adiposo visceral, o envelhecimento, as dietas ricas em gorduras, e um estilo de vida sedentário são também determinantes importantes.
Vários estudos demonstraram diminuição no tecido adiposo visceral após programa de TR. A literatura geral apóia o TR como uma intervenção efetiva para a redução da obesidade abdominal, com ou sem exercício aeróbio, e com ou sem modificação de dieta.
O TR concomitante com dieta severa na restrição da ingestão calórica não mostrou ganhos na massa muscular. Estudos com TR e dieta normocalórica não observaram maiores mudanças no peso corporal, apesar da significante redução de massa gorda e percentual da gordura corporal.
No TR o peso corporal não muda muito porque a perda de gordura é compensada pelo ganho de massa muscular.
Nos exercícios aeróbios a redução de massa adiposa não é compensada por aumento da massa muscular. Não há estudos bem controlados investigando o efeito da intervenção com TR no metabolismo lipidico em indivíduos com perfil normal de lipoproteínas e naqueles que têm colesterol elevado.
Aspectos hemodinâmicos
Nos exercícios aeróbios ocorre um aumento da freqüência cardíaca com um progressivo aumento na pressão arterial sistólica, e pouca ou nenhuma mudança na pressão arterial distólica, o que leva a um alargamento da pressão de pulso.
Estas respostas resultam em uma sobrecarga primariamente de volume para o coração. Em oposição, o TR causa um considerável aumento tanto na pressão arterial sistólica quanto na distolica, e consequentemente na pressão arterial média, com menores aumentos da freqüência cardíaca.
No TR a sobrecarga de pressão sobre o coração é primariamente de pressão.
Devido à baixa freqüência cardíaca no TR, o duplo-produto (freqüência cardíaca x pressão arterial sistólica) é menor, comparativamente aos exercícios aeróbios. Entre os vários estudos de TR em adultos saudáveis não houve nenhum relato de complicações cardiovasculares.
Considerações para a prática do TR
A relação risco-benefício do TR é altamente favorável para a maioria das pessoas saudáveis. O American College of Sports Medicine e a American Heart Association consideram que as contra-indicações do TR são similares aos dos exercícios aeróbios.
Assim, o mesmo critério de seleção usado para adultos saudáveis antes de participarem de exercícios aeróbios seria aplicável.
Para pessoas com moderado ou alto risco para DCV como homens de 45 anos ou mais, mulheres de 55 anos ou mais, aqueles com importantes fatores de risco para aterosclerose, e aqueles com diabetes de qualquer idade, o American College of Sports Medicine recomenda um histórico médico e exame físico incluindo um teste de esforço (teste ergométrico) antes de iniciar um programa de exercícios vigorosos.
Pessoas hipertensas devem ser controladas com medicação antes de começarem um programa de exercícios. O TR de alta intensidade deve ser evitado por pessoas que tenham retinopatia proliferativa ativa ou retinopatia não proliferativa diabética, moderada ou grave. A apnéia prolongada deve ser evitada em todas as situações.
Prescrição de Exercício para Treinamento Resistido
Aspecto relevante é que as taxas de aderência ao TR em estudos experimentais são altas, em parte devido ao mínimo tempo necessário para as sessões.
O TR com intensidade do treino alta (7 a 10 repetições executadas até o momento da falha muscular), com duas ou três sessões por semana, produz resultados semelhantes, com alguma superioridade para a maior freqüência.
A American Hearth Association e o apoio do American College of Sports Medicine recomendam o TR para pessoas com DCV, com duas sessões semanais evoluindo para três. Um treino típico deve constar de 8 a 10 exercícios para os maiores grupos musculares, que incluem peito, costas, ombros, braços, abdômen, coxas e panturrilha.
A resistência (peso) deve ser moderada, definida como 30% a 40% de 1 RM para exercícios da parte superior do corpo, e 50% a 60% de 1 RM para exercícios da parte inferior do corpo. Se o teste de força máxima não for possível, o indivíduo pode, por meio de tentativa e erro, usar um peso que possa ser utilizado para um mínimo de 8 a 10 repetições.
Quando 12 a 15 repetições puderem ser executadas com pouca dificuldade, o peso deve ser aumentado. A utilização de peso moderado com aumentos progressivos é eficiente e produz menos risco de acidentes músculo-esqueléticos.
Comentários
1) Efeitos promotores de saúde cardiovascular do treinamento resistido estão documentados. Permanece em aberto a magnitude desses efeitos comparativamente aos dos exercícios aeróbios.
2) A saúde cardiovascular implica em ausência de degeneração vascular, e é nesse sentido que a atual qualquer forma de atividade física.
3) A aptidão física necessária para realizar atividades contínuas como correr, pedalar ou nadar, é melhor estimulada pela prática dessas mesmas atividades.
4) A aptidão física promovida pelo TR é mais adequada para o trabalho braçal e para as atividades da vida diária.
5) A recomendação de associar o TR com exercícios aeróbios justifica-se por duas razões: estimular os diversos aspectos da aptidão física e garantir estímulos para a saúde cardiovascular, considerando algumas dúvidas atuais da literatura científica.
6) No caso de pessoas com distúrbios musculoesqueléticos que cursam com dores nos pés, joelhos, quadris, coluna vertebral e membros superiores, a prática dos exercícios aeróbios pode ser impossibilitada. Insuficiência cardíaca e pulmonar também podem determinar extremo desconforto para a prática de exercícios contínuos.
Pessoas idosas com freqüência apresentam as limitações citadas para a prática de atividades contínuas, além da falta de equilíbrio e fraqueza geral, com risco de quedas. Muitas pessoas não gostam de exercícios aeróbios. Em todas essas situações, se as pessoas estiverem praticando exercícios resistidos não deve haver preocupações com a saúde cardiovascular, em função da documentação de efeitos do TR nesse sentido.
7) O TR é possível em qualquer condição de saúde e aptidão, desde que não existam contra-indicações para atividade física. O TR bem orientado costuma agradar a maioria das pessoas, o que é comprovado pela alta aderência a essa atividade.
Metodologia, tabelas, gráficos e bibliografia encontram-se no artigo original.