POSICIONAMENTO SOBRE ATIVIDADE FÍSICA DO DEPARTAMENTO DE SAÚDE E SERVIÇOS HUMANOS DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA.
Artigo original: 2008 Physical Activity Guidelines for Americans U.S. Department of Health and Human Services www.health.gov/paguidelines
Comentários: José Maria Santarem
A Organização Mundial da Saúde em 2020, no seu Guidelines on Physical Activity and Sedentary Behaviour, traz alguns conceitos questionáveis com relação à atividade física e saúde, sobre os quais falaremos adiante.
Esta publicação de 2008 do Departamento de Saúde dos EEUU nos parece mais esclarecedora e aborda a influência da atividade física na saúde das pessoas, com base em evidências e com particularidades em relação à crianças e adolescentes, adultos, adultos idosos, mulheres na gravidez e no puerpério, e também pessoas com deficiências e doenças crônicas.
Um conceito básico é que a contração muscular habitual, que chamamos de atividade física, contribui para a saúde de diversas maneiras. Uma delas é diminuir a probabilidade das pessoas desenvolverem doenças em geral, principalmente as cardiovasculares, o diabetes, a hipertensão, o câncer, as doenças autoimunes e as demências.
Pelos mesmos mecanismos pelos quais as doenças são evitadas, se as mesmas já existirem, poderão ter uma melhor evolução. O principal mecanismo parece ser a produção de miocinas, uma classe de substâncias produzidas pela contração muscular, que atuam sobre o sistema imunológico, hormonal e no metabolismo celular.
Outra contribuição da atividade física é a melhora da funcionalidade, que é a aptidão física necessária que a realização segura e confortável dos esforços da vida diária.
Sendo os exercícios resistidos nossa área de interesse, vamos salientar que tanto na profilaxia e tratamento de doenças crônicas quanto na promoção de funcionalidade, as evidências apontam para grande eficiência e segurança deste tipo de atividade física.
Um retrospecto dos posicionamentos das associações profissionais nas últimas décadas sobre atividade física e saúde pode ser oportuno.
Data de 1953 a primeira publicação que relacionou atividade física com menor incidência de doença coronariana (Lancet. 1953; 262: 1111-1120). O trabalho mostrou que os cobradores de ônibus urbanos de Londres, com dois andares, apresentavam menor incidência de doença coronariana em relação aos motoristas.
Os cobradores permaneciam em pé durante o trabalho, subindo e descendo escadas e se segurando com força em função do movimento do veículo. Em contraste os motoristas permaneciam sentados, com pouca contração muscular.
Os dois grupos eram semelhantes em todos os outros aspectos como etnia, escolaridade, classe social, etc. A conclusão foi que a atividade física foi o fator determinante dos resultados.
Muito importante é chamar a atenção para que a atividade física dos cobradores era tipicamente anaeróbica, com contrações musculares fortes e intermitentes, típica do trabalho braçal.
Nas décadas seguintes muitos trabalhos foram realizados investigando a influência da atividade física na saúde das pessoas, principalmente cardiovascular, e as conclusões foram que a influência foi positiva, diminuindo a morbidade.
Nessa época as atividades físicas mais populares eram aeróbicas, em grande parte pela influência dos trabalhos do Dr. Kenneth Cooper e do movimento Fitness. Assim sendo, as conclusões dos trabalhos eram corretamente relacionadas aos exercícios aeróbicos, mas a interpretação incorreta era que apenas esses exercícios eram úteis.
Os mecanismos aventados na época eram o aprimoramento da circulação coronariana e do sistema metabólico aeróbio, com aumento do VO2 máximo, entre outros parâmetros metabólicos.
Nas décadas de 80 e 90 do século XX começaram a surgir trabalhos correlacionando atividades de força com menor incidência de doenças em geral, incluindo as cardiovasculares.
A interpretação foi que parâmetros de aptidão como força e VO2 máximo são apenas marcadores de atividade física, apresentando aprimoramento ou não em função do tipo de exercício habitual.
Atualmente se sabe que a produção de miocinas é o principal mecanismo promotor de saúde e que ocorre com qualquer tipo de atividade física.
Em 1992 um dos primeiros trabalhos de revisão da literatura foi publicado, já com importantes conceitos bem estabelecidos com base nas evidências disponíveis (Annual Review of Public Health May 1992;13:99-126).
A principal conclusão foi que pessoas que tinham um gasto energético igual ou superior a 600 Kcal por semana, exemplificado por 30 minutos de caminhada por dia, tinham menor incidência de doenças crônicas.
Aspecto importante enfatizado no texto é que não importa o tipo de atividade física, podendo ser esportes, exercícios planejados, trabalho físico, tarefas de casa, jardinagem, ou qualquer outra.
O posicionamento de 2008 sobre atividade física do Departamento de Saúde e de Serviços Humanos dos Estados Unidos da América confirma todos os conceitos já estabelecidos em 1992 e esclarece alguns aspectos. Um deles é que no caso de exercícios sistematizados, tanto os aeróbicos como os resistidos são benéficos.
Textualmente é afirmado que os trabalhos disponíveis não permitem estabelecer superioridade de um sobre o outro. Os autores entendem que a melhor atividade física para cada pessoa é aquela agradável o suficiente para ser realizada com regularidade.
A recomendação geral é que as pessoas tenham por semana no mínimo 150 minutos de atividade suave ou 75 minutos de atividade mais intensa. Uma sugestão que se faz para quem não tem o hábito da atividade física é realizar por semana 150 minutos de caminhada rápida e duas sessões de musculação.
Importante notar que a musculação é uma sugestão enfatizada pelos seus efeitos no fortalecimento muscular e ósseo, na mobilidade articular e na coordenação dos movimentos.
Consideramos este o posicionamento sobre atividade física mais completo e sensato, visto que para além das evidências, muitas vezes os autores das recomendações consideram os seus próprios conceitos como aspectos relevantes.
A Organização Mundial da Saúde em 2020, no seu Guidelines on Physical Activity and Sedentary Behaviour, confirma as conclusões do Departamento de Saúde dos EEUU, mas aumenta as recomendações para o gasto energético semanal.
A organização reconhece os mínimos recomendados anteriormente, mas sugere dobrar o gasto energético se possível. Mantem a recomendação de incluir exercícios resistidos, principalmente para adultos idosos.
Chama a atenção que os exemplos de opções de atividades físicas incluem sempre exercícios aeróbicos. Isso é muito questionável principalmente para as pessoas que apresentam processos degenerativos nas articulações, muitas vezes adultos jovens que têm predisposição genética para desgastes em cartilagens, discos intervertebrais e tendões.
Com frequência essas pessoas não conseguem realizar atividades aeróbicas. Tal recomendação alimenta angustia nessas pessoas que acreditam não estar estimulando adequadamente a saúde. Tal situação se torna muito mais prevalente em adultos idosos, que com frequência não conseguem realizar atividades tão suaves como caminhar.
Em 2021 o Ministério da Saúde do Brasil publicou o posicionamento Physical Activity Guidelines for the Brazilian Population (Rev Bras Ativ Fís Saúde. 2021;26:e0215). O trabalho confirma as recomendações dos outros posicionamentos e cita que no Brasil as atividades físicas mais praticadas são a caminhada, a corrida e a musculação. Aspecto importante é a citação textual de que qualquer atividade física pode ser utilizada para promoção de saúde e não apenas os exercícios aeróbicos.
Em conclusão, o conceito que nos parece mais importante é que as pessoas realizem as atividades físicas que identifiquem como as mais agradáveis, para que possam ser praticadas com regularidade, e que sejam compatíveis com as suas condições de saúde e aptidão.
No mínimo duas sessões semanais de musculação devem ser incluídas, mesmo na vigência de doenças crônicas e fragilidades. Se a pessoa praticar apenas musculação, mais do que duas sessões semanais devem ser recomendadas, para que se atinja maior nível de gasto energético semanal.
Metodologia, tabelas, gráficos e bibliografia encontram-se no artigo original.