Drogas nos esportes

As drogas usadas nos esportes podem ter muitos e graves efeitos colaterais.

V. Birzniece, 2015 Internal Medicine Journal 45 (2015)

Comentários: José Maria Santarem

Os autores inicialmente comentam que considerando as pessoas que utilizam drogas em associação com a prática esportiva, o número de atletas recreacionais é maior do que o número de atletas de competição. A maioria desses usuários de drogas tem por objetivo melhorar a aparência física.

A real estimativa do número de usuários de drogas nos esportes não é possível porque muitos atletas de competição conseguem escapar dos testes antidoping e os atletas recreacionais não são testados.

A motivação de dirigentes esportivos para o desenvolvimento de técnicas antidoping são os valores morais da competição “limpa”. No entanto, em recente pesquisa, 98% dos atletas avaliados responderam que usariam drogas para ganhar uma medalha olímpica se tivessem a garantia de que não seria pegos nos testes. Uma constatação é que a ética esportiva não está se impondo sobre os interesses econômicos e a vaidade pessoal.

Os autores comentam que pouca ênfase tem sido dada na saúde dos atletas em textos científicos sobre doping, mas por outro lado muitos atletas não parecem estar preocupados com a própria saúde. Em uma pesquisa citada no texto, 50% dos atletas responderam que usariam drogas que garantissem vitórias em todas as competições em que participassem durante cinco anos, mesmo que morressem em seguida.

No entanto, considerando que muitos atletas utilizam drogas por influência de seus técnicos e que muitos atletas de competição acham que o único risco é ser pego em teste antidoping, os autores levantaram a literatura científica sobre os efeitos e os riscos das drogas no esporte em todos os níveis.

ESTERÓIDES ANABOLIZANTES
Essa classe de drogas é a mais utilizada por atletas em função da grande influência do aumento da massa muscular no desempenho esportivo e na aparência física. Estima-se que utilizam esteroides anabólicos 11% dos adultos em academias, 39% dos fisiculturistas e 67% dos levantadores de peso basistas. Esses números são significantes, mas deve-se notar que não é correta a generalização habitual no sentido de que “todos utilizam”.
Os efeitos dos esteroides anabolizantes são dose-dependente e paralelamente ao aumento da massa muscular, aumentam a força e a potência.
O uso de doses altas de esteroides anabolizantes por tempo prolongado tem sido associado a efeitos cardiovasculares deletérios, com vários casos documentados de morte súbita em jovens por infarto agudo do miocárdio e por arritmias ventriculares. Um estudo documentou que 35% dos usuários de esteroides anabolizantes apresentam alterações como hipertrofia cardíaca concêntrica, cardiomiopatia dilatada, fibrose, baixa fração de ejeção do ventrículo esquerdo e disfunção diastólica. A hipertrofia patológica do miocárdio dos usuários de esteroides anabolizantes é potencializada pelo uso simultâneo de GH (hormônio do crescimento).
Outros efeitos colaterais dos esteroides anabolizantes são a redução dos níveis sanguíneos de testosterona, atrofia testicular, esterilidade, disfunção sexual, ginecomastia, acne, calvície, hipertrofia de clitóris, aumento de pelos, atrofia de seios e irregularidade menstruais. Também é relatada associação com ruptura de músculos e de tendões, e no caso de utilização via oral, disfunções e câncer do fígado.
Os autores chamam a atenção para os distúrbios psiquiátricos como ansiedade e depressão, com elevadas taxas de suicídio e de homicídio. A associação com outras drogas e alcoolismo é muito frequente e usuários crônicos de esteroides anabolizantes têm cinco vezes maior a probabilidade de morte.

HORMÔNIO DO CRESCIMENTO
Cerca de 25% dos usuários crônicos de esteroides anabolizantes utilizam também o GH (growth hormone). Essa droga aumenta a síntese de proteínas no organismo e aumenta a retenção de água extracelular. O aumento de massa magra pode ocorrer pela maior quantidade de água extracelular, mas o GH não aumenta a massa muscular e nem a força, com muitas dúvidas sobre efeitos benéficos em outras habilidade atlética. Um efeito benéfico do GH é melhorar a síntese de tecido conjuntivo, favorecendo processos de cura de lesões.
Em estudos controlados de 40 a 80 % dos participantes apresentaram efeitos colaterais atribuídos à retenção hídrica do GH: hipertensão, edemas, artralgias, mialgias, parestesias e síndrome do túnel do carpo. Também foram relatados tonturas, fadiga e sudorese.
O GH aumenta a resistência à insulina, agravando ou desencadeando o diabetes mellitus. A associação com esteroides anabolizantes aumenta os riscos de hipertrofia cardíaca patológica, de hipertrofia prostática e de câncer.

INSULINA E IGF-1
Insulina e IGF-1 são medicamentos que têm sido utilizados por atletas para estimular a síntese e diminuir a degradação das proteínas. O principal risco imediato da insulina é a hipoglicemia, com risco de morte. A longo prazo o IGF-1 tem a possibilidade de estimular células cancerosas.

ERITROPOETINA
Essa substância é utilizada em forma injetável para aumentar os glóbulos vermelhos e melhorar o desempenho aeróbico. Efeito semelhante ocorre com o treinamento em altitudes elevadas, quando o ar rarefeito estimula o aumento da eritropoietina. O uso frequente de eritropoietina aumenta o risco de tromboses, anemia autoimune e estimula alguns tipos de câncer.

AGENTES ADRENÉRGICOS
Os estimulantes beta-adrenérgicos são bronco-dilatadores e também têm ação anabolizante e anti-inflamatória, mas os seus efeitos em melhorar o desempenho esportivo são discretos. Taquicardia é um efeito colateral frequente, mas têm sido relatados casos de arritmias graves, infarto e insuficiência cardíaca aguda.
Os antagonistas beta-adrenérgicos são utilizados para diminuir a ansiedade, controlar tremores e melhorar movimentos de precisão, mas os desempenhos aeróbico e anaeróbico são prejudicados.

DOPING GENÉTICO
A utilização de doping genético no presente ainda é pouco frequente entre atletas devido a que a metodologia para sua aplicação ainda não está bem estudada. Um dos métodos para transferência de material genético é a injeção dos próprios genes no organismo; outro método é a injeção de vírus aos quais foram incorporados os genes; e ainda outra possibilidade é o transplante de células às quais foram adicionados os genes. Os genes com maiores possibilidades de melhorar o desempenho atlético são os relacionados com a hipertrofia muscular, entre eles os do IGF-1 e os da miostatina. Os efeitos colaterais do doping genético ainda não são conhecidos, mas são previstos o estímulo ao câncer, agressões hepáticas, doenças auto-imunes e a possibilidade de alterações nas células germinativas, com efeitos imprevisíveis sobre a prole.

CONCLUSÕES
Os autores enfatizam que o conhecimento atual sobre os efeitos colaterais das substâncias utilizadas em doping ainda é apenas a ponta de um iceberg e que a passagem do tempo trará mais dados relevantes. A informação adequada para atletas e esportistas é considerada pelos autores como uma ação importante na prevenção de efeitos colaterais de drogas em pessoas sadias e praticantes de exercícios.

COMENTÁRIOS
1) Muitos dos efeitos favoráveis ao desempenho esportivo decorrentes de drogas são devidos ao aumento da massa muscular, o que vem a reforçar a importância da musculação para praticantes de atividade física.

2) O grande fator de diferenciação entre atletas é a genética individual. Se não existissem drogas, os campeões seriam as mesmas pessoas.

3) A superação dos desafios do esporte é um grande motivador para a sua prática. Uma atitude saudável e adotada por milhões de pessoas em todo o mundo é a manipulação de fatores do treinamento e da alimentação, aceitando os resultados que a sua constituição genética permite.

4) A única maneira segura para não ter efeitos colaterais devido a medicamentos é não utilizá-los.

Metodologia, tabelas, gráficos e bibliografia encontram-se no artigo original.

José Maria Santarem
José Maria Santaremhttps://treinamentoresistido.com.br
José Maria Santarem é doutor em medicina pela Universidade de São Paulo, fisiatra e reumatologista pela Associação Médica Brasileira, consultor científico da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte, coordenador de pós-graduação na Escola de Educação Permanente do HC-FMUSP, diretor do Instituto Biodelta, autor do livro Musculação em Todas as Idades (Ed. Manole) e coordenador do site acadêmico www.treinamentoresistido.com.br.

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